Tuesday, 18 February 2025

 é esta espécie de sonho flutuante que cospe a imagética furiosa

para isso é preciso arranjar um canto qualquer,
uma aresta numa sala vazia
um vértice onde furar um olho
a visão de resto é uma atividade mental
uma forma de pensar o mundo, uma forma de saber que se pensa o mundo
o mal desta terra é este zumbido constante, um ruído confuso
disseram-me ontem que por aqui havia muito vento, mas na verdade o teatro é outro, nada mais além que uma circulação de ar condicionado
SIEMENS
LG
cães raivosos de uma liquidez impressionante, passageira, veloz.

 a hipnose ciclica da lenta dança das árvores produz um açucar negro

as lendas dos povos das florestas veneram-na como um Deus, um Deus Do Pó Preto
de manhã atiram o Pó Preto para cima da mesa,
e enquanto a magia se compõe regressam aos quartos 
vestem os corpos de trapos, arreganham os dentes ao espelho, fazem das unhas enxadas de diamantes
só que os diamantes são falsos
o espelho é falso 
e falsas são as florestas
tudo não passa de um cemitério de estrelas mal comportadas
poeira malandra
galáxia adoçada

 EXTINÇÃO


há dias ouvi na rádio uma história sobre borboletas
tinham fugido da prisão, umas
a seguir às outras
quem viu diz que foi um sinal de Deus um travão de mão numa autoestrada
fiquei perplexo e liguei-te a contar mas 
estavas na Sibéria, a usar de umas frases muito estranhas com esquimós

 toda a paisagem me pareceu um encanto

mal cheguei comecei logo a tirar fotografias, à minha volta
uma multidão
não entendia uma palavra, só percebia as cores
pelo deserto temos que ter muito respeito, dizem que
todo o cuidado é pouco quando atravessamos assim a Terra
mas eu não tive escolha
quando acordei encontrei-me numa longa marcha, uns a seguir aos outros 
uma sede dos diabos
seja feita a sua vontade

 Não falo sequer na exigência de uma atenção recíproca, de um pássaro voante sobre o chumbo rasteiro,

falo sobretudo de uma ansiedade latente, uma perseguição fantasmática, na ausência de rosto
os rumores cardíacos esses conheço-os de cor
primeiro os dedos, depois uma respiração assobiante, fria
se fica calor anseio pelo gelo
se nada fica tudo se diz 
Ora, aqui neste deserto só ficam os sonhos, os versos, os pilares fundamentais de uma filosofia suspensa.

é como se o arrependimento fosse uma tatuagem, um dizer impossível, a minha luta
mas tudo é possível, mesmo que a redenção não seja para mim

recordo-me frequentemente dos pecados capitais, uma invenção das leis da física em forma de astrologia cutânea

agora por exemplo vem um hamburger a caminho, e enquanto isso escrevo, uma caminhada rente ao mar, rente rente à encosta, como se precisasse de muito vento no focinho. é verdade, daqui sente-se o sal das rochas, até mesmo de aquecedor bem ligado. as pantufas acolhem-me como uma boca de baleia, sonho com magma, deliro com essa incadescência viscosa. 

Por tudo isto, tudo se tornou hardcore, os pelos dos dedos, as lanças dos dentes, as bolhas de veneno na carne queimada. no fim tudo se encaixa, um jogo assimétrico de cruzamentos inesperados. Um livro, uma história, uma pessoa, todos vindos aqui parar, um lamaçal de náufragos entrapilhados.

 Um campo acordado, é como se alguém me tivesse agora mesmo a telefonar do outro lado. Parece que a consigo imaginar, uma chamada telefónica desses mais de quatro mil vóltios. Nâo quero pedir socorro, quro apenas confessar que estou finalmente cansado. Não quero nada que não seja uma eternidade de sol, não quero ser nada que não seja esse miau miau suspeito. Atendo a chamada, sento-me sem sequer tirar a chave e oiço tudo o que tens para me dizer. Prometes-me imunidade parlamentar, eu invoco segredo de justiça. Que noite? Quem é o juiz? O que é que me aconteceu? 

 primeiro apareceram os motores, uma surpresa à margem de qualquer diplomacia

do que aprendi até hoje nada me fica senão esta proposta:
o bem comum é um mal de radiação
o significado é um virus central
o leite está estragado
fica proíbida a divulgação 
os processos são poços de destruição

haverá contudo o enigma dos solos, essa promessa suspensa de sangue capaz de nos atirar para o fundo do poço da terra.

 é esta espécie de sonho flutuante que cospe a imagética furiosa para isso é preciso arranjar um canto qualquer, uma aresta numa sala vazi...